quarta-feira, 24 de agosto de 2011

ESSE TEU SILÊNCIO


Esse teu silêncio
não só de palavras
faz aflorar
verdades muito antigas.
Mais primeiramente
que a própria consciência,
tão pobre quanto prezada,
urna solidão originária
nos habita
e guia.
Como se a sombra
produzisse o corpo
ou o espelho a figura.
Mais nos amamos
e um calafrio
faz pressentir
sua presença dissimulada,
sólida e funda.
Tagarelamos,
pássaros ao crepúsculo,
e nos surpreendemos
distraídos,
reduzidas a vozes
os melhores verbos.
Lançamo-nos à rua,
na retidão da marcha
ou na pendência da dança
(em frente, que unidos venceremos!):
rebelamo-nos contra a solidão,
muito mais velha,
e miseravelmente
só agredimos a nós mesmos.
Fala e gesto inúteis,
somente nela
nos reencontramos
solidários.
(À luta, pois, companheira,
em nome desse nosso
mais íntimo destino).

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

CADA PALAVRA


Cada palavra
emergida da funda gravidade
de cada verso,
como canto de sereia
insinuante e fugidia,
ao dizê-la,
na inédita emoção
de cada vez,
sempre imaginamos poder domá-la,
desnudar-lhe a intimidade,
enredá-la em malha fina.
Mas na sua longa decifração
– dos tropeços do beabá
à invencível tentação
de entrever
entre véus
as dobras e saliências
do ser
ou as trevas do nada –
¬apenas tornamo-nos
seus dóceis escravos,
sempre prontos a servi-la;
Damos-lhe a voz
e mais do que no espelho
nela nos refletimos.
Presos à disciplina de férreas razões
ou à agitação do coração,
sob sua protetora tirania,
achamo-nos reais e verdadeiros
e por palavras,
mais do que por gestos,
deixamo-nos morrer.