terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Se fugazes ou finais



Se fugazes ou finais
não sabemos,
mas há o silêncio
da renúncia
e o da esperança,
como apenas insinuam
os velhos sábios.
Se calou gemidos de medo,
nosso inepto esforço
de içar o silêncio
desse poço – que somos –
faz apenas verter
vagas de verbos
em versos insipientes.
Alvoroçados,
confundimos
setas e metas
e entre ecos
desse poço – que somos –
já nem bem sabemos
o que é renúncia
e o que é esperança.

Em águas e rochas



Em águas e rochas,
gregas em sua clareza
e compostura,
miramo-nos.
Não são mais
as que, quando crianças,
nos banhavam os pés
e nos protegiam
dos ventos frios
das manhãs sempre
magicamente reais.
Hoje, queremo-las
represadas umas,
lapidadas outras,
explicavelmente reais.
O frio à flor da pele
vem da alma,
já não o traz o vento.
E das muralhas, que
construidamente somos,
somos prisioneiros.
Olhos saudosos
de perdidas manhãs,
refugiamo-nos
no futuro.
Esperamos
por antigas águas,
mas elas estão rijas,
tentamos o alto das muralhas,
mas há outras,
sempre mais altas
e sólidas.
Sob luz ocidental,

as horas, como ás águas,
coagularam,
ainda que corram,
e na nova aurora,
haverá sóis e sombras,
mas já mais não somos
que a sombra
do que somos.
Não mais vivemos
em nenhum tempo,
os reflexos cristalizados.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

De uma rosa desfeita



De uma rosa desfeita,
espantado o vento, restou
estampada na rocha lisa
uma única pétala.
Grito vermelho
na mudez do granito.
Caprichoso invento
do tempo
a atiçar
o desejo de
no carnudo contorno
achar o desenho
de certa boca
 doces petalábios –,
a avivar na memória
o sabor
do primeiro beijo,
já longe,
hoje,
o doce alento
adolescente
que o inspirou.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Aferramo-nos ciosamente

Aferramo-nos ciosamente
Às nossas mais pequenas lembranças
e urdimos nosso presente
desastradamente.
Como uma vez te disse,
não vivemos.
Já duplamente não vivemos
ao descobrirmos
que essas pequenas lembranças de nós mesmos
são apenas ordinários fragmentos
dessa trajetória maior,
feita universal,
sutilmente tecida
de mitos e compromissos
mal e mal suspeitados,
recolhidos nos tratados
mil vezes manuseados,
nas ditas verdades dos velhos filósofos,
nas teorias de solertes cientistas,
nas edificantes bíblias
de todas as religiões.
Lentamente matamo-nos,
aranhas suicidas,
enredados na própria teia.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

NÃO AO CREPÚSCULO



Não ao crepúsculo,
em meio às sombrias incertezas do Ocidente,
mas pela manhã,
o sol achando a relva úmida e certa,
aquele noturno tocado ao longe
tinha mesmo de trazer
lembranças
(que já nem sei
se de cenas reais),
dos tempos em que imaginava
devessem os nomes
ajustar-se às coisas.
Naqueles poucos minutos
de emoção quase esquecida
sobreveio,
amiga,
vôo raso de ave cega,
a sensação enovelada,
quase alegre,
de que ainda esperam por nós
nossos mais bem acalentados projetos,
quase mortal,
de que já não há retorno possível.
Puída banalidade,
por certo mais antiga
que o reconhecimento de nós mesmos.
(Tudo por causa de um pianista insone
e um noturno extemporâneo.
Golpe sujo na manhã azulada).